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Introdução ao Sri Raya Ramananda Samvada

Dandavat Pranamas! Neste ano de 2022, o desaparecimento de Srila Ramananda Raya é comemorado no dia 20 de maio. O Sri Raya Ramananda Samvada, que consiste nos diálogos entre Sri Raya Ramananda e Sri Caitanya Mahaprabhu, conforme descritos no Sri Caitanya-caritamrta, são eternamente renovados e estão cade vez mais nos nutrindo. Durante os catorze anos de festivais e harikathas de Srila Gurudeva em torno do mundo, esta discussão era um de seus temas favoritos. A seguir, a transcrição de uma palestra dada por ele em Maui, no Havaí, em 24 de maio de 2000.

Sri Raya Ramananda Samvada – Primeira parte

Tridandisvami Sri Srimad Bhaktivedanta Narayana Gosvami Maharaja
Havaí, 24 de maio de 2000

Sri Caitanya Mahaprabhu Glorifica Ramananda Raya

Venha comigo. Vamos nos unir a Sri Caitanya Mahaprabhu em nossas mentes quando Ele foi de Puri para o Sul da India para procurar seu irmão, Visvarupa. No entanto, este foi apenas um pretexto. Na verdade, Mahaprabhu queria fazer de todo o Sul da India e o mundo inteiro, devotos puros. Ele queria que todos cantassem e lembrassem de Krsna, e fossem felizes para sempre.

Sri Caitanya Mahaprabhu e Sri Raya Ramananda

Sem cantar, ninguém pode ser feliz neste mundo. Você deve saber disso. Mahaprabhu dizia a todos que vinham a Ele: “Yare dekha tare kaho krsna upadesa, amara ajnaya guru hana tara ei desa.” Estou dizendo a você, e você também deve contar a quem encontrar: “Cante: Hare Krsna Hare Krisna, Krisna Krisna Hare Hare, Hare Rama Hare Rama, Rama Rama Hare Hare.” Então, em retorno, essa pessoa passará isso aos outros. Por minha ordem, você deve pregar isso aos outros. ” Muito em breve todo o Sul da India começara a cantar, e todos se tornarão Vaisnavas.

Esta foi a ordem de Sri Caitanya Mahaprabhu, e desta forma, sua mensagem muito rapidamente se espalhou pelo mundo. Eu também vim aqui apenas para dizer como você pode ser verdadeiramente feliz. Cante Hare Krsna. Este é um processo muito fácil, tornar-se feliz. E estou convidando todos a seguir. Aqueles que ainda não estão seguindo se beneficiarão ao seguir.

Assim, Sri Caitanya Mahaprabhu foi para o rio sagrado Godavari, e ali pensou: “Oh, aqui está o Yamuna!” Lá, Ele avistou uma bela floresta e pensou: “Esta é a bela floresta de Vrindavana.” Quando viu algumas rochas e montanhas, pensou: “Oh, aqui está Giriraja Govardhana.”

Assim, ele estava absorto em amor e afeição por Krsna. Ele se esqueceu de tudo externo e se absorveu na dança. Às vezes, Ele rolava na terra chorando: “Oh meu amado Krsna, onde está você? Onde você está?” Às vezes ria, às vezes Ele cantava: “Krsna Krsna Krsna Krsna Krsna Krishna Krishna He! Krsna Krsna Krsna Krsna Krsna Krsna Krsna He! Rama Raghava, Rama Raghava, Rama Raghava raksa mam! Krsna Kesava, Krsna Kesava, Krsna Kesava pahi mam!”

Então, Ele cruzou o rio Godavari para banhar-se. Era de manhã, e ele chegou a um local muito solitário próximo ao ghata. Nesse meio tempo, um governador conhecido como Raya Ramananda veio com muitos associados e milhares de brahmanas que estavam recitando mantras védicos, e um grande tambor anunciava que ele estava vindo. Ramananda Raya se banhou neste local, e então percebeu que um jovem sannyasi refulgente estava por perto, sentado em transe. Ele se sentiu muito atraídos por Ele, e após tomar banho, deixou todos os seus assistentes, soldados e outros, e foi sozinho ao lugar onde Caitanya Mahaprabhu estava sentado. Lá, ele ofereceu reverências.

Mahaprabhu olhou para ele e perguntou: “Você é Raya Ramananda?”

Raya Ramananda respondeu: “Sim, sou eu, essa pessoa miserável”.

Mahaprabhu disse: “Quando eu estava em Jagannatha Puri, Sarvabhauma Bhattacharya que é uma pessoa muito erudita foi muito gentil comigo. Ele me disse que se eu fosse ao Sul da Índia, deveria me encontrar com Raya Ramananda. Ele disse: “Mesmo sendo ele um governador, como um vice-rei ou representante do rei nessa área, ele é um devoto muito elevado e erudito.”

Sarvabhauma Bhattacharya também disse a Mahaprabhu: “No início eu não era capaz de acreditar nele, e costumava brincar: ‘Oh, você é um Vaisnava. Vaisnavas não são nada. Eles são seguidores cegos.” Porém, realizei que ele é uma personalidade exaltada, e oro para que, se estiver indo nessa direção, o encontre. Você verá que devoto de alta classe ele é. Por favor, seja misericordioso com ele“.

Mahaprabhu então disse a Raya Ramananda: “Eu vim apenas para me associar com você. Caso contrário, não haveria razão para vir até aqui. Quero ouvir o seu harikatha (discursos sobre o Senhor e Seus devotos).”

Raya Ramananda respondeu: “Por você ter vindo aqui, posso saber que Sarvabhauma Bhattacharya é meu benquerente. Ele enviou Você, a prórpia Suprema Personalidade de Deus. Ele é tão gentil por ter lhe enviado. Imploro a você que fique aqui por seis ou sete dias, não apenas por um ou dois dias. Seja misericordioso. Por favor, derrame sua misericórdia sobre mim.”

Eu imploro que você fique aqui por seis ou sete dias, não apenas por um ou dois dias. Seja misericordioso. Por favor, derrame sua misericórdia sobre mim.”

Dessa forma, eles glorificavam um ao outro, e esta é a etiqueta dos devotos Vaisnavas. Hoje em dia, vocês se esqueceram desta etiqueta, e por isso estão caindo. Devemos tentar honrar uns aos outros. Devemos honrar todos os devotos. Aqueles que não são devotos puros falam somente sobre seus problemas mundanos: “Meu marido me deixou”; “Minha mulher me abandonou”; “Devo casar ou não? Este é um grande problema.” “Sou mal-sucedido no que começo”. “Estou em processo de divórcio”; “Meu negócio faliu, o que devo fazer?”

Nós falamos somente sobre esses problemas, mas essa não é a etiqueta Vaisnava. Um Vaisnava não tem nenhum problema, em absoluto. Ele está sempre feliz e pode fazer até mesmo hippies felizes. Lembro-me que Srila Bhaktivedanta Swami Maharaja (Srila Prabhupada) fez milhares de hippies felizes. Ele os transformou e eles se tornaram devotos. De fato, eles se tornaram felizes.

Enquanto Mahaprabhu falava com Raya Ramananda, um brâmane veio e convidou Mahaprabhu para ir a sua casa honrar prasada. Ele era um verdadeiro brahmana e Vaisnava, e portanto, Mahaprabhu queria ir até lá e tomar prasada. Ele pediu Raya Ramananda: “Você certamente deve me encontrar à noite.”

Ambos aguardavam antecipadamente o encontro da noite. Raya Ramananda trocou suas vestes reais, vestiu apenas um simples dhoti, e chegou com apenas um acompanhante. Ele não tinha guarda-chuva real, palanquim, e nem guarda-costas. Sozinho, ele ofereceu reverências prostradas a Mahaprabhu. Eles se sentaram juntos por toda noite, e por tantos dias. O krsna-katha deles acontecia regularmente, de manhã até a noite, sem dormir e sem interrupções.

Sri Caitanya Mahaprabhu disse a Raya Ramananda, “Eu sei que você é um devoto muito elevado. Você é tão erudito, conhece todas as escrituras, e é um mestre do Srimad-Bhagavatam. Portanto, vou fazer-lhe algumas perguntas, e peço que me responda, dando exemplos das escrituras. Eu não vou dar nenhuma importância as suas respostas se você não der evidências das escrituras.”

Devemos sempre saber o que constitui as verdadeiras evidências. Muitas pessoas dizem tantas coisas, mas isso não é evidência. Evidência vem dos Vedas, Upanisads, e também das palavras de devotos elevados que não possuem nenhum dos quatro defeitos: bhrama (tendência a cometer erros), pramada (tendência a ser iludido), vipralipsa (tendência a enganar) e karanapatava (sentidos imperfeitos). Suas palavras podem ser aceitas como evidência. Além disso, os sastras que estão de acordo com os Vedas, como Sri Caitanya-caritamrta, os livros dos Seis Gosvamis e dos quatro acaryas das quatro sampradayas Vaisnavas, todos são provas escriturais. A evidência mais forte e mais pura, no entanto, são as palavras do Srimad-Bhagavatam. Assim, Sriman Mahaprabhu disse a Raya Ramananda: “Se você me oferecer evidências dos Vedas, Upanisads, e do Bhagavatam, eu certamente aceitarei.”

Sua primeira pergunta: “O que é sadhya (o objetivo da vida) e o que é sadhana (os meios para obter essa meta)?”

Na aula da manhã eu lhes disse que todas as entidades vivas vieram do olhar de Karanodakasayi Visnu. Elas não podem ser criadas, pois são eternas, mas vieram da luz, da visão de Karanodakasayi Visnu. Você precisa saber o que é a luz. O pálido reflexo desta luz é uma combinação da semelhança de cit-sakti, da semelhança de tatastha ou energia marginal, de vibhinamsa-tattva, e maya-sakti. A mistura desses quatros é chamada Sambhu-linga. É de lá que as jivas estão vindo. Sambhu-linga é uma semelhança de Sadasiva-tattva (uma forma de Visnu-tattva). E maya (a energia material ilusória) também deve estar presente, pois sem maya não pode haver criação. Toda essa mistura torna-se Sambhu-tattva, ou Sambhu-linga, e por ela surge a criação. Criação de que? Deste corpo material grosseiro e do corpo material sutil. A alma não é criada, mas esses dois corpos são criados. Devemos conhecer todas estas verdades – que as entidades vivas não são criadas, mas são uma potência eterna. Não é possível dar mais explicações no momento. Temos que realizar tudo isso cantando harinama.

Quando o cantar do santo nome se torna puro, quando o nome que você canta é realmente o próprio nome de Deus e não uma ofensa ao santo nome ou uma semelhança do nome, quando esse nome se torna transcendental, então você realizará todas as verdades. Pelo exercício mental, você nunca será capaz de realizar nada.

Por cantar, você realizará krsna-tattva, maya-tattva, bhakti-tattva, jiva-tattva (verdades estabelecidas pelos santos e escrituras sagradas), e tudo mais. Então, em algum momento, você terá que esquecer todas as considerações materiais e precisará saber que Krsna é seu amigo do peito, seu filho, ou seu mais amado.

Srila Bhaktivedanta Svami Maharaja, seu Prabhupada, veio para lhe dizer que o Senhor Krsna é a Suprema Personalidade de Deus. Mas ele me pediu para falar a todos vocês que devem esquecer que Krsna é a Suprema Personalidade de Deus, e chegou a hora. Ele quer que eu lhes diga que, agora, vocês devem pensar em Krsna como um amigo íntimo, um filho ou amado, e que Ele é tudo que possuem. Desta forma, nossa Bhakti, devoção a Krsna, deve intensificar-se.

Encontro entre Sri Caitanya Mahaprabhu e Sri raya Ramananda às margens do Rio Godavari.

Sri Raya Ramananda Samvada – Segunda parte

Tridandisvami Sri Srimad Bhaktivedanta Narayana Gosvami Maharaja
Havaí, 24 de maio de 2000

Agora, voltemos ao nosso assunto. Você pode ler a primeira pergunta de Mahaprabhu a Raya Ramananda de acordo com a tradução de Srila Svami Maharaja?

Prema-prayojana dasa: Sri Caitanya Mahaprabhu ordenou Ramananda Raya a recitar um verso das escrituras sobre sadhya, a meta final da vida.

Srila Gurudeva: Estou explicando o que Srila Bhaktivedanta Svami Maharaja, seu Gurudeva, explicou. Eu não estou em uma linha de pensamento diferente da dele. Eu o sigo.

O que Raya Ramananda respondeu? Ele explicou sadhya, a meta. Ele não se limitou a explicar sadhana, o meio para atingir a meta.

Sripad Madhava Maharaja: Mahaprabhu perguntou a Ramananda Raya sobre a meta da vida. Ele não perguntou primeiro sobre sadhana, o meio para obtê-la, mas queria estabelecer o objetivo primeiro.

Ramananda Raya respondeu:

varnasramacara-vata
purusena parah puman
visnur aradhyate pantha
nanyat tat-tosa-karanam
Sri-Caitanya-caritamrta Madhya-lila, 8.58

Isto significa: “É imperativo seguir o varnasrama-dharma. Há quatro varnas e quatro asramas. Brahmanas, ksatriyas, vaisyas e sudras são os quatro varnas ou deveres ocupacionais. Os quatro asramas, ou ordens espirituais, são brahmacarya (estudante celibatário), grhastha (chefe de família), vanaprastha (renunciante incial) e sannyasa (alguém que está na ordem da vida renunciada). Você pode estar em qualquer varna ou qualquer asrama, mas é essencial manter o varnasrama-dharma. Dessa forma você poderá satisfazer Visnu, e não há outra forma”.

Ao ouvir essa resposta, Mahaprabhu disse que o varnasrama é externo. Por quê? Por qual razão Mahaprabhu não o aceitou como a meta da vida? Isto é porque não há nenhuma explicação sobre a alma. Varnasrama-dharma só é necessário para manter nosso sistema social. No Srimad-Bhagavatam afirma-se: “Sa vai pumsam paro dharmo”. A melhor religião para a alma é a devoção ininterrupta e uni-direcionada a Visnu. Assim, alma e Superalma estarão satisfeitas. Mas aqui, no caso do varnasrama, não há nenhuma prova de que a alma e a Superalma serão satisfeitas. É como karma-misra bhakti (bhakti misturada com o desejo de desfrutar dos resultados das atividades fruitivas), não svarupa-siddha bhakti (atividades constituídas puramente de Bhakti, como ouvir, cantar e lembrar de Krsna ou Visnu). Portanto, Mahaprabhu diz que isso é externo. Não é Bhakti pura, e por isso o rejeitou como a meta pura. Agora Ramananda Raya está seguindo adiante. Vamos ouvir de Srila Gurudeva.

Neste varnasrama-dharma recomenda-se que adore Visnu. Qual é o nosso objetivo? O processo é a adoração a Visnu, mas qual é o objetivo dessa adoração? Queremos ser felizes neste mundo, e a concepção da maioria das pessoas é que Visnu concederá uma benção para que nos sintamos felizes. Acima disto está a salvação, a liberdade do apego e a fusão com Visnu. Esta é a concepção das pessoas sobre a bênção de Deus, mas em verdade, isso é como uma maldição, não uma bênção. Tampouco devemos tentar fundir-nos com Krsna, nem tentar fazer nada para nos tornarmos felizes com a gratificação dos sentidos neste mundo, que é algo temporário.

Neste país na América, há uma doença que causa coceira chamada eczema. Nessa condição nos arranhamos, e este arranhão parece ser muito agradável. Mas afinal de contas isso é uma doença, e após algum tempo será algo muito doloroso.

Este mundo é assim. A vida mundana é como uma coceira, uma doença. Adorando o Senhor Visnu podemos desistir disso e sermos felizes por algum tempo, mas, novamente, a coceira virá. Da mesma forma, varnasrama-dharma é externo. Não há serviço da alma, apenas serviço externo para o corpo.

Srila Bhaktivedanta Svami Maharaja (Srila Prabhupada) e Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati Thakura tentaram estabelecer este varnasrama-dharma. Por quê? Seguindo-o, pelo menos seremos seres humanos. Caso contrário, seremos animais. Primeiro devemos ser humanos, porque a humanidade é uma plataforma para Bhakti. Primeiro devemos desenvolver uma plataforma, e então poderemos ouvir harikatha (tópicos sobre Krsna).

Com a finalidade de gradualmente progredir espiritualmente, varnasrama é um pouco favorável, mas não totalmente. Portanto, Mahaprabhu está dizendo a Ramananda Raya para seguir adiante. Há alguma dúvida nisso? Nosso objetivo não é seguir o varnasrama-dharma. Srila Svami Maharaja disse a seus discípulos para criar o varnasrama-dharma em Gita Nagari, New Vrndavana, New Mayapur e em muitos outros lugares. Ele queria estabelecer isso, mas apenas como uma plataforma. Onde estão a maioria desses projetos agora? Sumiram. Agora há, em grande parte, terra estéril, e essa terra estéril está chorando – não há nada substancial lá.

Syamarani dasi: Srila Raya Ramananda citou o Bhagavad-gita: “Tudo quanto fizeres, tudo o que deres, e tudo o que oferecereis em sacrifício deve ser feito por Mim”. Sri Caitanya Mahaprabhu também rejeitou esta proposta como a meta, considerando-a externa, porque tudo o que fazemos é para nossa própria satisfação. Qualquer atividade que eu faça neste mundo tem uma reação kármica. Mesmo que eu realize uma ação piedosa e receba uma reação piedosa, ainda assim terei que sofrer neste mundo. Se eu der a alguém um monte de dinheiro, na minha próxima vida serei rico. No entanto, na próxima vida eu ainda terei que nascer em um útero e aceitar a velhice, doença e morte. O motivo é a minha própria gratificação dos sentidos.

Mahaprabhu rejeitou isso como não sendo a perfeição. Ele novamente disse a Ramananda Raya para ir adiante, e Raya Ramananda então ofereceu a conclusão do Bhagavad-gita: “Sarva dharma parityajya – Abandone todas as variedades das chamadas atividades religiosas, e renda-se a Mim. Em troca, te livrarei de todo o medo e de todas as reações pecaminosas”.

Mahaprabhu rejeitou isso como a meta. É melhor do que a vida animal, melhor do que não ter nenhuma relação com Krsna, então por que o Senhor Caitanya a rejeitou? Novamente, porque era algo externo que está relacionado ao corpo. “Eu quero que Krsna me livre do medo”, então eu tenho uma motivação pessoal. Eu não estou tentando agradar a Krsna, mas quero a proteção de Krsna para o meu corpo, e para o meu conforto mental e intelectual.

Isso é como uma proposta de negócio. Se eu fizer algo por Krsna, então Ele fará algo por mim. Portanto, Caitanya Mahaprabhu a rejeitou como não sendo a meta. Devoção verdadeira significa que não há nenhuma causa ou interrupção material.

Srila Gurudeva: No Srimad-Bhagavatam há tantos exemplos disso. Um exemplo é a história do Rei Hariscandra. Ele era um rei ksatriya muito poderoso em varnasrama-dharma, e costumava adorar o Senhor Visnu. Ele era muito sincero, nunca mentia, nunca aceitava falsidade e era muito generoso com todas as criaturas. Certa vez, Visvamitra, um devoto rendido e muito elevado, apareceu em um sonho de Hariscandra e disse-lhe: “Você é muito generoso, um orador sincero, um rei muito bom e um adorador constante de Visnu. Sei que se eu lhe pedir qualquer coisa, definitivamente você me concederá. Então eu quero algo de você.” No sonho, Visvamitra disse ao rei que queria todo o seu reino, e o rei disse: “Sim, eu o darei a você”.

Depois que o sonho acabou, o rei se esqueceu de tudo. Pela manhã, Visvamitra veio a Hariscandra e perguntou-lhe se lembrava do sonho da noite anterior.

Hariscandra disse: “Eu não me lembro de nada, o que houve? Oh, você pediu meu reino e eu dei a você.”

Visvamitra disse: “Então você deve me dar.”

Hariscandra respondeu: “Mas isso foi um sonho.”

“Na verdade, isso não foi um sonho”, disse Visvamitra. “Eu realmente vim até você.”

Hariscandra conhecia as habilidades místicas dos sábios poderosos e acreditou nele. Então disse: “Sim, eu fiz um voto de dar a você o reino. Todo este reino agora é seu”. Visvamitra então disse a ele para doar alguma daksina, uma doação em dinheiro. Na Índia, se alguém doa algo, dá algumas moedas também para consumar a doação. Por isso, Visvamitra pediu-lhe que desse uma daksina.

Hariscandra chamou seu tesoureiro e lhe disse para doar dez mil moedas de ouro para Visvamitra. Visvamitra sorriu e disse: “Você é um mentiroso, você me deu todo o seu reino, e agora o seu tesouro também é meu. Como pode pedir ao tesoureiro que me dê ouro? Hariscandra concordou e dessa forma, queria pegar um empréstimo com alguém do reino. Mas Visvamitra disse: “Agora todos os cidadãos são meus também, e você não pode pegar empréstimo com ninguém do meu reino.”

Em seguida, Hariscandra decidiu vender-se. Mas Visvamitra disse: “No meu reino, você não pode vender a si mesmo”. O rei então ficou confuso sobre o que fazer, pensando que havia feito algo errado. Ele perguntou a Visvamitra: “O que devo fazer? Por favor, me dê algumas sugestões”. Visvamitra lhe disse: “Vá para Kasi, que está situado no tridente de Sankara. Esse local não é deste mundo. Lá você poderá se vender, e então me pagar. Você deve sempre lembrar que tem uma dívida comigo”.

Hariscandra foi para Kasi a pé com sua esposa e seu filho, porque todos os seus carros e posses agora pertenciam a Visvamitra. Depois de muitos dias, ele chegou a Kasi e chamava alto para que alguém pudesse comprá-lo. O guarda dos terrenos de cremação que era de classe inferior disse que o compraria para que trabalhasse no local. Hariscandra aceitou, pois não havia mais ninguém para comprá-lo, mas o guarda pagou apenas cinco mil moedas de ouro.

Ele precisava de mais, e assim vendeu sua esposa Sadya e seu filho Rohitasya  para um brahmana muito cruel, que deu cinco mil moedas pelos dois. Se você vende uma vaca, ela não é mais sua propriedade. Da mesma forma, Hariscandra agora não era rei, nem o marido de sua esposa, nem era mais o pai do seu filho. No entanto, ele ainda nutria algum falso ego, considerando que costumava ser ou ainda era um rei, marido de Sadya e o pai de Rohitasya.

Após algum tempo, uma cobra mordeu seu filho e ele veio a morrer. Isso ocorreu durante a estação das chuvas, à meia-noite. Ventos gelados sopravam e uma chuva muito forte caía. O brahmana, sem nenhuma piedade, disse a Sadya: “Tire este cadáver daqui, não posso permitir que você o mantenha neste local”.

Carregando o corpo do seu filho em seus braços, chorando copiosamente, ela foi até o local de cremação. Naquela época Hariscandra era a guarda deste lugar impuro, mas na escuridão, não foi capaz de reconhecer sua esposa ou filho. Ele perguntou compassivamente: “Quem está chorando? Primeiro você deve pagar o imposto pela cremação, e depois você poderá utilizar este serviço”.

Naquele exato momento, um relâmpago iluminou o local, e ele pode ver que a mulher diante dele era na verdade Sadhya. Perplexo, não sabia se devia se identificar como seu marido (agora que ele já tinha vendido a ela e seu filho), como o pai do menino morto, como rei, ou como o guarda do crematório.

Só então Visvamitra apareceu com Yamaraja, ou Dharmaraja, junto ao Senhor Narayana. Eles devolveram a vida ao filho de Hariscandra e disseram-lhe para pedir uma benção. Visvamitra lhe disseque em sua vida como rei havia sido corrompido pela ilusão: “Nesse mundo, ninguém é capaz de falar a verdade. Seu nome não é Hariscandra, este é o nome do seu corpo grosseiro, e de que ele é feito? É apenas uma combinação de sangue e carne, urina e fezes. Você não sabe que sua alma é serva eterna do Senhor Krsna. Se você está pensando: “Eu sou pai, marido, rei, etc.”, como pode estar falando a verdade?

“Você deve saber que é parte integrante de Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, e que não faz parte deste mundo. Então esqueça todas as falsas concepções, tente servir a Krsna e cante Seus nomes”. Hariscandra aceitou todas essas instruções, mas tinha um pedido a fazer: “Por favor, não dê um teste tão difícil às jivas de Kali-yuga, pois elas nunca poderão passar em tal prova e sempre falharão”.

Hariscandra estava fazendo o que queremos fazer: varnasrama-dharma. E ele estava levando mais seriamente a adoração ao Senhor Visnu do que nós. Porém, não tinha ideia de que somos transcendentais, ou que somos servos eternos de Krsna. Este é o nosso principal problema. Se você está pensando: “Eu sou aquele que faz”, ou até mesmo: “estou dando algo a Krsna”, isso não é Bhakti pura. Por isso, foi dito no Bhagavad-gita (18.66):

sarva dharman parityajya mam ekam saranam vraja
aham tvam sarva papebhyo moksyaisyami ma sucah

Qual é o significado desta sloka?

Sripad Madhava Maharaja: Ramananda Raya está agora dando a sugestão do Bhagavad-gita, na qual Krsna instruiu Arjuna: “Ó Arjuna, abandone todo dharma temporário e todas as atividades e concepções que estão relacionadas ao corpo material temporário e à mente. Entregue-se e receba abrigo da Suprema Personalidade de Deus. Assim você estará livre de todas as atividades pecaminosas. Não temas”.

Esta parece ser uma sugestão transcendental excelente, mas ao ouvir isso, Sri Caitanya Mahaprabhu deu a resposta: “Oh meu caro Ramananda Raya, isso é externo, portanto eu também rejeito isso. Fale algo além. A ocupação eterna da alma é prestar serviço amoroso à Suprema Personalidade de Deus em um relacionamento com Ele. Saranagati, rendição, significa principalmente rejeitar o que é temporário e desfavorável ​​para o desenvolvimento espiritual. Em saranagati ainda não percebemos nosso relacionamento com o Senhor Supremo, com possessividade, amor e afeição. Portanto, Sri Caitanya Mahaprabhu também rejeitou essa concepção como sendo a meta da vida.

A entrega ao Senhor Supremo por si só não é diretamente Bhakti. Não é a atividade positiva, eterna e perfeita da alma, mas é considerada o portal para o Bhakti. Se você quer entrar em qualquer edifício, primeiro você tem que chegar a uma porta. Você não pode atravessar a parede. Se alguém está ouvindo, cantando, lembrando e servindo a Krsna, mas ainda não se rendeu completamente, dizendo: “Oh Krsna, sou Seu e dependo totalmente de Ti. Aceito tudo o que é favorável para Bhakti e rejeito o que é desfavorável. Você é meu protetor e meu mantenedor. Serei sempre manso e humilde, e não terei nenhum interesse separado do Seu”, suas atividades não serão chamadas de serviço devocional puro.

A menos que se tenha aceitado esses seis membros do saranagati antes de prestar serviço devocional, seu serviço será uma simples imitação, como um drama. O primeiro passo é rendição. Esta rendição não é Bhakti, mas é o pré-requisito para entrar no reino Bhakti.

Srila Gurudeva: Ouvi uma história sobre Jesus Cristo. Certa vez, haviam muitas pessoas reunidas, e tendo pedras em suas mãos, queriam matar uma pessoa considerada culpada. Essa pessoa era mau caráter. Ela se sentiu atraído por uma senhor, e contendo-o, fez algo muito ruim. Então, muitas pessoas estavam reunidas e queriam matá-lo a pedradas.

Naquele momento, Jesus Cristo veio e lhes disse: “Oh, ouçam-me primeiro. Permitirei que matem essa pessoa com suas pedras. Eu também tenho uma pedra e todos nós atiraremos essas pedras contra ele e o mataremos. Mas primeiro ouçam-me. Somente aqueles que não são culpados do mesmo crime poderão apedrejá-lo. Quem for culpado por qualquer atividade ruim ou fez algo semelhante ao que essa pessoa fez, não poderá apedrejá-lo”. Assim todos pararam. Ninguém era puro de coração e livre da culpa deste mesmo crime.

Embora possamos perceber alguma misericórdia neste caso, devemos tentar compreender que essa misericórdia não é a verdadeira misericórdia. A Suprema Personalidade de Deus criou todas as criaturas – árvores, insetos, peixes, vacas e todos os outros seres vivos. Em cada corpo há uma alma. É um equívoco pensar que a alma está somente no corpo humano, e nós devemos somente servir a raça humana.

O que Florence Nightingale e Madre Teresa fizeram? Eles estavam servindo a todos os doentes e pobres, até mesmo aqueles com lepra. No entanto, davam-lhes carne, peixe e álcool, e eles achavam que não havia nenhum mal nisso. Eles não sabiam que os peixes, as vacas e todos os animais também possuem vida – assim como os seres humanos.

Não somos autorizados a matar nenhum ser vivo em nenhuma espécie de vida, porque eles são todos filhos e filhas da Suprema Personalidade de Deus, que não deseja nunca que sejam mortos. A vaca é como uma mãe. Ela fornece leite sem considerar casta e credo. Ela dá leite a todos, sejam essas pessoas muçulmanas, indianas, americanas ou algo mais. Portanto, podemos pensar nela como uma mãe que doa o leite materno. Se alguém prende um bezerro e o mata para obter sua carne, o que é isso? Isso é misericórdia? Eu fui a cidade do Vaticano e fiquei muito feliz ao ver um grande monumento. Haviam milhares de peregrinos lá, todos oferecendo seus respeitos, e eu também queria prestar homenagem: “Oh Jesus Cristo, quão glorioso tu és”.

Então, vendo alguns bezerros muito belos e macios com apenas dois ou três dias de idade, perguntei: “Por que há tantos bezerros aqui?” “Você não sabe? O papa irá tirar-lhes a carne hoje, convidará muitos de seus amigos e todos eles comerão tal carne”. Então eu comecei a não gostar daquela terra e disse: “Eu não devo ficar aqui nem mais um momento. Devo ir embora. Essas pessoas são tão cruéis como açougueiros. Eles não têm piedade ou misericórdia destas vacas e bezerros, nem por qualquer outra pessoa”.

O que são ovos? Se você quer ingerir ovos, você pode pegar um ovo do ventre da sua mãe. Isso também é uma espécie de ovo. Assim, não devemos ingerir essas coisas. Ao invés disso, devemos saber que a alma está em toda parte – não apenas no corpo humano. Portanto, o serviço somente à humanidade não é serviço à Suprema Personalidade de Deus. É essencial saber isso.

Mahaprabhu, portanto, rejeitou a consideração de “Sarva dharman parityajya …” como a meta, o que dizer de todas essas outras coisas.

Gaura Premanande! Haribol!

Jay Sri Ramananda Samvada ki! Jay!
Jay Srila Raya Ramananda ki! Jay!!!

Retirado do site Pure Bhakti

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